sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A maravilha verde do sertão


SERRA VERMELHA

Nem bem foi descoberta, a maior floresta do Nordeste já estava virando carvão. Agora deve ser transformada em parque nacional

A maravilha verde do sertão

Para biólogos e botânicos, a região é uma nova fronteira de pesquisas, com inúmeras espécies desconhecidas.

SERRA VERMELHA

Parecia uma miragem, de tão bonito. O que víamos lá embaixo eram enormes
desfiladeiros rasgando a mata em movimentos sinuosos, chegando até a se entrecruzar em alguns pontos. Eu estava preparado para ver curiosas formações rochosas na Serra Vermelha, a maior floresta do sertão nordestino, porque meses antes já havia visitado a região por terra. Mas não esperava encontrar ali cânions tão impressionantes quanto os de Itaimbezinho e Fortaleza, que fazem a fama da Serra Gaúcha.

O helicóptero se aproximou dos paredões vermelhos e começamos a fotografar e filmar aquela maravilha natural, imaginando o quanto ela seria importante para divulgar o Piauí, geralmente tão esquecido. E veio, então, o segundo grande susto do dia, no momento em que fomos ver de perto algumas clareiras que despontavam na mata, mais adiante. Era difícil de acreditar, mas elas indicavam que a devastação da Serra Vermelha já havia começado, e num ritmo avassalador. O mais chocante eram as duas longas fileiras de fornos de barro bem ao lado dos terrenos desmatados, erguidos com o evidente propósito de transformar tudo ao redor em carvão. Não se tratava de uma ação improvisada. Os fornos estavam dispostos em grupos de 15 e dava para contar dez conjuntos em cada fileira. Trezentos fornos, no total! Como aquela destruição era possível num lugar até então desconhecido pelos próprios piauienses?

Situada no sul do Piauí, a 800 quilômetros da capital, Teresina, a Serra Vermelha sempre foi um pedaço perdido de território, para o bem e para o mal. Meu primeiro contato com a região aconteceu em 1996, quando a sobrevoei num pequeno avião bimotor, durante a cobertura das eleições municipais. Percebi lá do alto uma mata muito bem preservada, sem sinais de ocupação ou qualquer atividade humana. Também não vi nenhuma estrada cortando a mancha verde. Fiquei com aquela imagem na cabeça e muita vontade de conhecer o lugar de perto. Só no final de 2006, porém, pude participar de uma expedição até lá, ao lado de pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano, técnicos do Ibama e alguns dos mateiros mais experientes do sertão. Fomos ao encontro de uma floresta peculiar e encontramos uma área ainda mais rica, combinando elementos da caatinga, do cerrado e da Mata Atlântica. E agora, numa expedição aérea, podíamos ter uma visão mais abrangente da região – e receber de uma só vez os dois impactos fulminantes. A Serra Vermelha era ainda mais bonita do que se pensava, mas também muito mais ameaçada do que se poderia imaginar.

Governo contra governo

Felizmente, a divulgação das imagens da Serra Vermelha num programa de televisão de rede nacional levou à suspensão imediata do desmatamento. Serviram não só para que boa parte da população tomasse conhecimento de tamanha preciosidade natural, mas também para que o Ministério do Meio Ambiente descobrisse que ele próprio havia autorizado a derrubada da floresta, por uma empresa que escondia a devastação sob o pomposo nome de "Projeto Energia Verde" (veja quadro). Desde então, vem sendo travada uma dura batalha nos bastidores. O governo federal quer transformar a área em parque nacional, para garantir sua preservação. Os empresários do carvão buscam apoio junto ao governo estadual e aos prefeitos da região para barrar essa decisão. Seus maiores argumentos são os empregos gerados pela queima de madeira e a possibilidade de instalação de uma termoelétrica, que resolveria a carência de energia no sul do Piauí.

O fato é que o isolamento da Serra Vermelha, que até a chegada dos empresários do carvão ajudou a mantê-la intacta, agora poderá representar um sério obstáculo à fiscalização do possível (provável?) parque nacional. A geografia explica a dificuldade de acesso à região. Se você pegar um mapa do Nordeste e centrar sua vista no sudeste do estado do Piauí, num trecho que faz fronteira com a Bahia, vai logo perceber uma imensa área desabitada na região. É um lugar praticamente cercado pela Serra do Bom Jesus do Gurguéia, que corta todo o sul e o sudeste piauiense, separando a floresta dos municípios de Morro Cabeça no Tempo, Curimatá, Redenção do Gurguéia e Bom Jesus.
Desafio para os zoólogos
Com cerca de 350 mil hectares, área equivalente ao dobro do município de São Paulo, a Serra Vermelha pode abrigar, segundo vários pesquisadores consultados, a maior biodiversidade do interior nordestino. "A imponente floresta estacional que domina essa região é virtualmente desconhecida. Nossos estudos identificaram uma fauna singular, com uma variedade muito maior do que imaginávamos", revela o zoólogo Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da USP, referindo-se a duas novas espécies de répteis, entre elas uma tartaruga (Mesoclemmys perplexa), coletadas ali pelos biólogos da sua equipe. Para o botânico Afrânio Fernandes, da Universidade Federal do Ceará, a floresta do sertão é um verdadeiro elo perdido entre a Mata Atlântica e a Amazônia. "Ela guarda informações biológicas antigas e únicas, que podem remeter a um ambiente anterior, modificado ao longo de milênios por processos climáticos e geológicos", explica. Interessado na ampliação dos estudos sobre a Serra Vermelha, o Ministério do Meio Ambiente já solicitou que a equipe do Museu de Zoologia da USP volte à região para dar suporte ao processo de criação do parque nacional e também da Reserva Extrativista das Lagoas de Curimatá.
Nem é preciso ser biólogo, porém, para perceber como esse lugar, com árvores típicas da caatinga, do cerrado e da floresta tropical se alternando entre desfiladeiros verdejantes, merece ser protegido. Os cânions na Serra Vermelha
escondem árvores imponentes, onde pousam araras, periquitos e uma infinidade de passarinhos. Nos fundos dos vales e nas encostas das serras, plantas típicas da Mata Atlântica mostram-se com toda sua exuberância. Árvores de troncos grossos ultrapassam os 25 metros de altura. Embaúbas, ipês, aroeiras, gameleiras e paineiras dominam o cenário. Samambaias e plantas com folhas avantajadas cobrem imensos rochedos. Ao norte, na porção mais selvagem e desconhecida dessa maravilha verde do sertão, desfiladeiros que facilmente ultrapassam os 200 metros de altura servem de refúgio para fauna terrestre, principalmente serpentes, macacos, antas, veados e onças.

Nas primeiras incursões mata adentro, espécies típicas de ambientes úmidos também foram descobertas na região. Pequenos lagartos endêmicos desse trecho nordestino também habitam o lugar. "Além disso, a possibilidade de existir animais novos é muito alta", garante o ornitólogo Luis Fábio da Silveira, um dos maiores especialistas em aves do Brasil. No segundo dia de nossa expedição por terra na região, encontramos lagoas repletas de aves aquáticas, peixes, tartarugas, sucuris, jacarés, capivaras, pacas e uma série de outros animais específicos das grandes áreas alagadas, que formam uma espécie de minipantanal. Até mesmo a anhuma (Anhuma cornuta), uma ave preta, de olhos vermelhos e com um chifre pontiagudo sobre a cabeça, habitante de lugares pantanosos e praticamente extinta no Nordeste, resiste nesse paraíso.

Os brejos de altitudes e vários mananciais que descem da Serra Vermelha contribuem para formar as nascentes do Rio Rangel, além de outros córregos que alimentam a bacia do Rio Gurguéia. "A cobertura vegetal da Serra Vermelha exerce um papel importante na recarga dos aqüíferos e dos lençóis freáticos", explica o biólogo Francisco Soares, da Fundação Rio Parnaíba. "Sem a proteção natural dessa floresta, o avanço do aquecimento do planeta teria efeitos muito mais drásticos na região, contribuindo para secar riachos e lagoas. O clima na Serra vermelha seria alterado, aumentando a temperatura local", alerta.

Para reforçar ainda mais a necessidade de criação do Parque Nacional de Serra Vermelha, pesquisas da Fundação Museu do Homem Americano, lideradas pela arqueóloga Niéde Guidon, definem o lugar como provável abrigo de povos pré-históricos que habitaram o Brasil há mais de 50 mil anos. Pinturas e gravuras
rupestres, muitas delas nem sequer catalogadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), já foram encontradas a cerca de 50 quilômetros dos fornos construídos para a queima da floresta.
 
Salva, mas só por enquanto
Mesmo com todo esse patrimônio natural, e apesar de fazer parte da lista das 900 áreas prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Brasileira, conforme o Relatório Nacional para Convenção sobre Diversidade Biológica, a região da Serra Vermelha esteve muito perto de virar combustível para fornos de ferro-gusa no Brasil e no exterior. Graças à repercussão da notícia dada em rede nacional, que levou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a determinar a suspensão imediata do negócio e o início dos estudos para transformar a área em parque nacional, a maior floresta do sertão foi salva. Mas apenas momentaneamente. Ainda vai continuar dependendo da mobilização de entidades ambientalistas e da opinião pública para sobreviver.

PÉ NO CHÃO
A região da Serra Vermelha tem quatro entradas. Para conhecer os cânions, o ponto de partida é Bom Jesus, que está a 650 quilômetros de Teresina. Para as áreas alagadas, chega-se por Redenção do Gurguéia e Curimatá. E para ir à área devastada pelo projeto Energia Verde, a entrada é por Morro Cabeça no Tempo. Todos os acessos exigem 4x4 e muita disposição para caminhar.

COMO CHEGAR
São 650 quilômetros de carro de Teresina até Bom Jesus, a cidade
com melhor estrutura nas proximidades de Serra Vermelha. O caminho é pela
BR-343 até a cidade de Floriano, e de lá pela BR-135 até Gurguéia. A partir daí,
as estradas vão se tornando mais precárias (parte em asfalto esburacado,
parte em areia) à medida que se aproximam da floresta. Para chegar
à região dos cânions, procure o escritório do Ibama em Bom Jesus e se
informe como pegar a estrada para o Baixão do Viana. A viagem só pode
ser feita em 4x4 e leva um dia inteiro, passando por vários cânions. É
importante contratar um bom mateiro que conheça a região. Para conhecer
a área alagada, entre pelas cidades de Redenção do Gurguéia e Curimatá.

O acesso é feito por estrada asfaltada em boas condições. Você pode alugar
um pequeno barco com os pescadores locais e fazer uma incursão pelas
lagoas. Já para visitar a área que começou a ser desmatada pelo projeto
Energia Verde, siga para Morro Cabeça do Tempo, que fica a 150 quilômetros de Bom Jesus (ou 100 quilômetros, num atalho só trafegável por veículos 4x4).

ONDE FICAR
Em Bom Jesus do Gurguéia há pequenos hotéis e pousadas. O mais equipado deles é o Palace Hotel (89) 3562-1237. Em Curimatá, as únicas opções de hospedagem são a Pousada Sossego (89) 3574-1262, que é bastante simples, e o acampamento da Apa do Rangel, uma reserva estadual de 20 mil hectares que faz fronteira com a Serra Vermelha. Para ficar na Apa, procure em Curimatá pela professora Raquel Fonseca, responsável pela reserva. Nesse local é possível conhecer sítios com pinturas rupestres, além de fauna e flora da caatinga, do cerrado e da floresta tropical. O local dispõe de um centro de visitantes e vários mateiros que moram nas redondezas conhecem bem a região.



QUANDO IR
A melhor época é entre novembro e março, quando o sertão está verdejante
e o calor não é tão intenso. Mas a visita durante a seca, na outra metade do ano, também é interessante: as árvores perdem as folhas e dão ao lugar um tom esbranquiçado.

Energia Polêmica

O projeto de manejo florestal, conhecido como Energia Verde, tinha como objetivo a produção de carvão para os mercados interno e externo de ferro-gusa. Embalado como uma atividade sustentável, o empreendimento ganhou 12 anos de isenção fiscal do governo do Piauí e vinha sendo executado no condomínio Chapada do Gurguéia, numa área de aproximadamente 114 mil hectares – mais de um terço da área total de Serra Vermelha. O projeto foi aprovado pelo Ibama com a justificativa de que o corte das árvores preservaria parte do caule para rebrota, permitindo a sua recuperação ao longo de 13 anos. É uma tese polêmica. "O desmatamento iria descaracterizar a formação da Serra Vermelha, causando prejuízos em toda a cadeia natural e esses parâmetros não foram mensurados", rebate o biólogo Francisco Soares. O mais preocupante, porém, é que o projeto não tinha relatório de impacto ambiental e não estava respeitando nem o manejo combinado com o Ibama: as árvores estavam sendo cortadas rente ao chão, inclusive aquelas que deveriam ser poupadas, por serem porta-sementes (cerca de 50 por hectare).

Localizado nos municípios de Morro Cabeça no Tempo e Redenção do Gurguéia, o projeto Energia Verde estava dividido em 38 fazendas e já funcionava com 300 fornos – apenas um décimo do previsto. Existem suspeitas sobre a legalidade das propriedades. O Instituto de Terras do Piauí iniciou três ações para investigar o caso. Em fiscalização no projeto, o Tribunal Regional do Trabalho encontrou uma série de irregularidades e multou o empreendimento em mais de 250 mil reais.

fonte:biodiversityreporting.org

Quais são os projetos dos candidatos para esse floresta?

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